Thursday, June 07, 2007

Um subúrbio de Montevidéu no final de 1982.Presa há mais de um ano, Alma Di Agosto confessou ter assassinado duas mulheres. Seguindo os costumes, os policiais a tinham violado e torturado. Em cada confissão, havia personagens diferentes, fantasmas pitorescos sem nome e domicílio, porque a máquina de dar choques transforma qualquer um num ficcionista. Em cada crime, a autora parecia ter a agilidade de uma atleta olímpica, os músculos de uma forçuda de parque de diversões e a destreza de uma matadora profissional. Mas o que mais surpreendia nos autos é que Alma Di Agosto descrevia com uma precisão milimétrica roupas, gestos, cenários, situações e objetos.Alma Di Agosto era cega.Seus vizinhos, que a conheciam e gostavam dela, estavam convencidos de que era a culpada.“Por quê?”, perguntou o advogado.“Porque os jornais dizem”.“Mas os jornais mentem”, disse o advogado.“Mas o rádio também diz”, explicaram os vizinhos. “E a televisão também”.

Eduardo Galeano

Com obras traduzidas em diversas línguas, Eduardo Galeano, uruguaio, é jornalista e escritor. Em suas obras costuma abordar assuntos políticos e históricos da América Latina, bem como cotidiano e futebol.

ps: pequei esse texto no site do programa Provocações da TV cultura.

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